Nos últimos meses, temos vivenciado um momento de inflexão para os negócios no Brasil. A iminente implementação da reforma tributária, ainda em fase de aprovação e regulamentação, já provoca movimentações relevantes no mercado e exige que empresários do varejo e do franchising adotem uma postura proativa. Não dá mais para deixar para depois: estamos às vésperas de uma mudança que deve transformar profundamente a forma como as empresas operam, precificam, se estruturam e se relacionam com parceiros e consumidores.
A proposta de criação de um IVA dual (Imposto sobre Valor Agregado), com a introdução da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência federal) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, de competência estadual e municipal), visa simplificar o sistema atual, substituindo tributos como PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI. Embora o objetivo seja tornar o sistema mais claro no longo prazo, o que temos pela frente, especialmente no curto e médio prazos, é um cenário de alta complexidade, que vai exigir mudanças nos sistemas, nas rotinas operacionais, nos contratos e no mindset dos líderes. E tudo isso precisa começar agora, mesmo que a reforma ainda não esteja 100% definida.
A proposta atual prevê formatos como o split payment, no qual o imposto é separado automaticamente no momento da transação. Isso afeta diretamente o fluxo de caixa das empresas, que perdem a flexibilidade de tempo para gestão dos tributos e precisam reorganizar o planejamento financeiro. Modelos de negócio terão que ser revistos, e as decisões estratégicas como abertura de novas unidades, expansão de redes ou precificação precisarão considerar os efeitos progressivos da nova tributação ao longo dos próximos anos.
No franchising, essa mudança bate no coração do modelo. Franqueadoras que antes operavam de forma mais enxuta, agora devem repensar sua estrutura fiscal e considerar modelos como o CSC (Centro de Serviços Compartilhados), que pode gerar ganhos em escala e viabilizar o aproveitamento de créditos tributários. Terceirizações e serviços, que antes eram vistos como despesa, podem se tornar elementos estratégicos. Isso exige análise técnica, mas também uma boa dose de criatividade e visão de futuro. Revisar a estrutura dos contratos, especialmente aqueles que envolvem royalties ou prestação de serviços entre franqueadora e franqueados, é fundamental. Mas é preciso atenção: qualquer mudança deve estar alinhada à realidade da operação, e não apenas ser uma tentativa de redução de imposto no papel.
Outro ponto crítico será a cadeia de suprimentos. O novo modelo tributário terá impacto relevante dependendo do perfil tributário dos fornecedores. Fornecedores enquadrados no Simples Nacional, por exemplo, podem não gerar crédito, o que impacta no custo total do produto. Nesse sentido, as áreas de supply chain, financeiro e comercial terão que trabalhar juntas, mapear riscos e, em alguns casos, até orientar pequenos parceiros a migrarem de regime tributário. É a hora de agir em rede, reforçar parcerias e compartilhar conhecimento.
Ainda que a reforma não esteja valendo na prática, o cronograma de transição já está desenhado. A partir de 2026, começa a convivência entre o modelo atual e o novo, com alíquotas iniciais simbólicas e exigência de entrega de obrigações órias. O importante é entender que os impactos no preço, na margem e no Ebitda serão reais e as empresas que desejam se antecipar aos impactos devem considerar iniciar simulações.
A discussão sobre o fim dos incentivos fiscais regionais também merece atenção. Benefícios concedidos por estados e municípios, como os praticados em polos logísticos estratégicos, tendem a ser reduzidos ao longo do tempo. Mas é importante destacar que a proposta prevê mecanismos de compensação, como fundos de transição e de desenvolvimento regional, para mitigar perdas e redistribuir arrecadação. O impacto será diferente para cada negócio e isso precisa ser estudado com base no modelo e na localização da empresa.
E há também um ponto que pode ser uma boa notícia: o chamado cashback social. A proposta prevê a devolução parcial de tributos para consumidores de baixa renda, o que pode ser uma vantagem competitiva para marcas que atendem a esse público. Ainda há muitos detalhes a serem definidos sobre como esse mecanismo funcionará, mas empresas atentas já podem pensar em estratégias comerciais e de comunicação alinhadas a esse novo cenário.
Como especialistas em estruturação e expansão de negócios, não podemos tratar essa mudança como um tema apenas do jurídico ou fiscal. A reforma tributária tem o potencial de redefinir a lógica de negócios, mexer com margens, reformular contratos e até alterar decisões de localização de unidades e centros de distribuição. É, portanto, uma pauta estratégica e precisa ser assumida por CEOs, CFOs e lideranças de todas as áreas.
Esse é o momento de colocar a reforma tributária no centro das discussões de negócio. Não como um problema, mas como uma oportunidade de sair na frente.
A pergunta que deixo para os empresários do varejo e do franchising é simples, mas fundamental: sua empresa está preparada para a nova era tributária?
Lyana Bittencourt é CEO do Grupo Bittencourt.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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