Os índices de desemprego nas principais economias do mundo estão em seus níveis historicamente mais baixos. Nos Estados Unidos, a taxa está em 4,2%; na zona do euro, em 6,2%; na Coreia do Sul, em 2,7% e no Japão, em 2,8%. No Brasil, o índice está em 6,3%, um dos patamares mais baixos das últimas décadas, com tendência de queda por questões estruturais locais.
No nosso caso, é preciso cautela na análise: o indicador apura apenas quem está efetivamente buscando emprego. Programas assistenciais, como o Bolsa Família, que hoje atende cerca de 21 milhões de famílias, podem desestimular — ou até impedir — a busca por atividade formal remunerada, sob risco de perda do benefício. Isso gera uma distorção relevante no indicador e no mercado de trabalho.
A realidade é que está cada vez mais difícil preencher vagas, ampliar quadros ou repor profissionais, em especial em setores como varejo e hospitalidade, intensivos em mão de obra, os maiores empregadores privados do País e com jornadas que frequentemente incluem noites e finais de semana.
Estamos diante de uma mudança estrutural no emprego, que inaugura uma nova ordem na dinâmica da mão de obra, qualificada ou não. E tudo indica que esse cenário veio para ficar, podendo, inclusive, se agravar.
Gente faz a diferença nos serviços
A transformação da economia global para uma sociedade cada vez mais orientada aos serviços é um dos vetores dessa mudança estrutural. Nas cinco maiores economias do mundo, o setor de serviços representa, em média, 80% do PIB. A única exceção é a China, com 54%.
E o varejo, o comércio e a hospitalidade são, essencialmente, serviços nos quais as pessoas ainda fazem toda a diferença.
Na indústria, é possível produzir mais com menos por meio da automação e robotização, e, na agricultura, pode-se aumentar a produtividade com mecanização intensiva. Mas, nos serviços, a questão de mão de obra qualificada e dedicada torna-se cada vez mais evidente.
Alguns sinais, só como exemplo, envolvem:
- Restaurantes em Manhattan que operam com horário reduzido por falta de pessoal;
- Hotéis de nível alto cobrando taxas extras por arrumação diária de quartos;
- Gorjetas que cresceram significativamente como forma de atrair e reter funcionários pelo adicional de remuneração.
E, da mesma forma como outros setores, a automação nos serviços tem avançado para tentar equilibrar a demanda, com o uso de totens em redes de fast-food, que reconfiguram as atividades dos atendentes, ou como na Amazon e outras redes de supermercados, com a adoção de caixas autônomos e self-checkouts em larga escala.
Ou com chatbots, assistentes virtuais, reconhecimento facial e provadores inteligentes, que já estão em uso, ainda que em estágios iniciais da curva de aprendizagem, tanto para os negócios quanto para os consumidores. Além das lojas autônomas, sem qualquer funcionário, que surgem como resposta direta à escassez de mão de obra e como alternativa para aumentar a conveniência e a eficiência.
A complexidade dos serviços no varejo
A forma mais direta de redução de gente no comércio e varejo é o e-commerce, que evolui de forma marcante e tem se diversificado em outras vertentes, como social commerce, live shopping, s, voice commerce, dropshipping, conversational commerce, entre outras.
Essas alternativas oferecem novas possibilidades de compras, especialmente em categorias e marcas orientadas por valor.
Mas quando o desafio é a diferenciação e a experiência, gente ainda é insubstituível.
A tecnologia, incluindo recursos como gêmeos digitais potencializados pela Inteligência Artificial, só substitui parte da presença humana. Ainda assim, ela amplia o o a produtos e serviços, pressionando preços e exigindo que as marcas entreguem mais valor com menos margem.
É uma equação cada vez mais desafiadora.
Presente e futuro: um cenário inevitável e inadiável
Do lado do consumidor, ou ele aceita um padrão mais baixo de atendimento e serviço, paga mais pelo que considera essencial ou migra para o e-commerce e suas variantes
Para as empresas, não ficam muitas escolhas. Elas precisam pesquisar, testar, implantar e evoluir em modo contínuo sobre como oferecer mais por menos, que é a nova ordem que emerge do cenário em transformação. Em todos os segmentos e categorias.
E o foco precisa estar em aumentar eficiência, racionalizar processos, reduzir custos, melhorar a produtividade e, ao mesmo tempo, personalizar e diferenciar a experiência do consumidor.
Tudo isso considerando que o todo poderá ser comparado, avaliado e testado em tempo real com um simples clique. Mesmo dentro da loja.
Tão simples assim. Mas também inevitável. E inadiável.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato