A Shoptalk Europe, que se apresenta como a maior feira de varejo da Europa, foi realizada na semana ada em Barcelona, na Espanha, e vem se consilidando como um importante espaço para discussões estratégicas entre empresas europeias. O evento ultraa os limites tradicionais do varejo ao incorporar formatos estruturados para incentivar trocas e encontros entre os participantes. Tanto em 2024 quanto na edição de 2025, o que se observou foi a presença expressiva de altos executivos da indústria, além de uma organização cuidadosa, equilibrando conteúdo, relacionamento e experiência de forma prática e fluida.
A presença brasileira ainda é pequena, composta majoritariamente por expatriados atuando na Europa. No entanto, para líderes que acompanham as decisões das matrizes de grandes companhias globais, a feira oferece uma leitura concreta sobre temas que têm recebido prioridade, ganhado tração e investimento: aceleração comercial digital, Inteligência Artificial, estruturação de dados e transformações nos canais de consumo e posicionamento de marketing.
Um olhar para além do varejo
Embora se posicione como um evento de varejo, a Shoptalk tem maior amplitude em seu escopo. O line-up das duas últimas edições revelou forte protagonismo de líderes de grandes indústrias de bens de consumo. Executivos como chairmans, CEOs, VPs e diretores, além de fundadores, compartilharam cases sobre reorganizações internas, modernização tecnológica e estratégias de go-to-market, com equilíbrio entre segmentos industriais e de varejo.
O grande número de cases apresentados por líderes de marcas e indústrias — e não por representantes do varejo — chamou bastante a atenção. Para quem atua com inovação e aceleração comercial no setor industrial, o evento trouxe sinais importantes sobre o avanço de temas como social commerce, estruturação de dados, integração omnicanal e mudanças na lógica comercial das matrizes europeias.
Estrutura pensada em fluxos e interações
A organização do evento se baseia em três blocos principais:
- Palestras e sessões editoriais, agrupadas em blocos de três a quatro apresentações, com intervalos planejados entre eles. Esse desenho oferece aos participantes tempo real para deslocamentos dentro da feira, visitas aos estandes, reuniões ou execução de trabalho remoto, evitando atropelos ou sobreposições.
- Reuniões entre participantes, com dois formatos estruturados: os TableTalks (mesas redondas de 6 a 8 participantes) e os MeetUps (reuniões one-on-one com duração de 15 minutos, distribuídas em 700 mesas). A adesão é alta: durante esses momentos, era visível a queda no fluxo da feira, refletindo o foco dos participantes nas trocas agendadas.
- Área de expositores, com presença de provedores de tecnologia e unidades de negócio de varejistas, como a Amazon Shipping. A circulação é fluida e favorece abordagens espontâneas, aprofundando o entendimento das ferramentas, das possibilidades de negócio e do benchmarking..
Reuniões com propósito além do comercial
Em diversos casos, as reuniões não tinham como objetivo imediato uma oportunidade de negócio. Um exemplo citado foi o encontro entre dois diretores comerciais pan-europeus — um da indústria de ferramentas elétricas, outro do setor de utilidades para o lar — que se reuniram levando apresentações estruturadas de seus cases, para compartilhar boas práticas e visões complementares. Esse tipo de diálogo, maduro e orientado à troca de valor, foi observado também entre istas e palestrantes com participantes que não estavam no palco.
Postura ativa das lideranças
Um aspecto notável foi a forma como os executivos permaneceram ativos após suas participações. Diferentemente de outros eventos, em que palestrantes entram por áreas VIP e deixam o local imediatamente após sua fala, na Shoptalk, muitos líderes seguiram no evento todos os dias: assistiram a outras sessões, circularam entre os estandes e participaram de conversas com fornecedores. CEOs, fundadores e VPs foram vistos na plateia, participando como ouvintes e colegas. A prática reflete uma cultura de aprendizado contínuo e de abertura, menos protocolar e mais horizontal.
Curadoria e qualidade do público
A curadoria de participantes é outro diferencial. Cada inscrição é avaliada individualmente, considerando cargo, setor e escopo de atuação. Isso garante um ambiente coeso, com senioridade e capacidade decisória. Indústrias, varejistas e empresas de tecnologia compartilham o mesmo espaço, com objetivos diversos, mas alinhados por repertórios complementares.
Do ponto de vista operacional, o evento é fluido: corredores amplos, sem filas, alimentação bem distribuída e espaços silenciosos para quem precisa se concentrar entre uma atividade e outra. A organização da agenda evita conflitos e ajuda a manter a atenção dos participantes plena e presente.
Inclusão como parte da experiência
A estrutura do evento também contempla aspectos menos comuns em eventos corporativos. Um exemplo é o Shoptalk Europe Kids, um serviço gratuito de creche no local, oferecido para que os executivos com filhos pequenos possam comparecer com tranquilidade. É uma solução simples, mas que traduz uma visão mais humana e inclusiva da realidade executiva.
Um ponto de atenção: mobilidade na saída
Mesmo com toda a organização interna funcionando bem, houve relatos sobre dificuldades com transporte no final do evento. A espera por Ubers ou táxi, em alguns casos, ultraava de 20 a 40 minutos, com cancelamentos recorrentes. Um ponto relevante para quem estiver considerando participar de edições futuras.
Considerações finais
A Shoptalk Europe se mostrou como um evento de proposta sólida, com forte curadoria de conteúdo e atenção especial à experiência dos participantes, executado com atenção aos detalhes e voltado para uma audiência que valoriza conteúdo, trocas qualificadas e estrutura eficiente. Sua proposta vai além da exposição de tendências: não é um palco para lançamentos vazios ou exposições performáticas. O evento promove escuta ativa, convivência horizontal, e um mecanismo estruturado para construção de vínculos profissionais relevantes, com modelo de networking mais voltado ao compartilhamento de conhecimento do que ao pitch imediato.
Ainda não é um evento com forte presença brasileira. Ainda não há delegações e, dos poucos que estavam presentes, a maioria vive na Europa, expatriada por suas organizações. Para quem acompanha o que as matrizes europeias estão deliberando e executando, especialmente em temas como IA generativa, dados, recommerce e retail media, a feira oferece insights relevantes sobre os rumos da indústria e seus desdobramentos no varejo.
Há elementos replicáveis no modelo, especialmente no equilíbrio entre conteúdo e relacionamento, na curadoria de participantes e na criação de uma experiência, que permite presença plena, sem atropelo, sem excesso e sem fomo (fear of missing out).
Ticiana Mártyres é consultora brasileira e advisor estratégica.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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